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ICMS e comércio eletrônico

A Constituição federal determina que, nas operações e prestações interestaduais que destinem bens e serviços a não contribuinte de ICMS (consumidor final, sob o ponto de vista da legislação daquele imposto), deve ser aplicada a alíquota interna vigente no Estado remetente.


Daí resulta que, quando a mercadoria é vendida diretamente a consumidor final de outro Estado, a obrigação tributária fica plenamente satisfeita no Estado remetente, não restando margem de tributação para o Estado destinatário. E nem poderia ser diferente: se o destinatário, no caso, é caracterizado na norma constitucional como “não contribuinte” do ICMS, obrigá-lo a contribuir seria contradição em termos. Ele, de fato, já contribuiu, pois o imposto cobrado no Estado de origem compõe o custo (e o preço) da mercadoria. Ademais, não há agregação de valor no Estado de destino.

Nos EUA, por decisão de 1992 da Suprema Corte, simplesmente não há incidência do Retail Sales Tax nas vendas online a consumidor de outro Estado, a menos que lá o comerciante vendedor tenha presença física (nexus). Assim, esse moderno canal de comércio trouxe ganho tributário ao consumidor final americano. No Brasil, a regra constitucional de partilha do ICMS nas vendas interestaduais a consumidor final não vinha suscitando relevantes conflitos, à exceção na sua aplicação às saídas de materiais de construção diretamente a empresas de construção civil (não contribuintes de ICMS), que tem ensejado disputa entre os Fiscos do Estado remetente e do destinatário, sendo sempre a vítima óbvia o contribuinte: quando aplica a alíquota interestadual (mais baixa que a interna), é multado na origem; se aplica alíquota interna, seu cliente ou é bitributado ou multado no destino.

Entretanto, o crescimento exponencial do comércio eletrônico amplificou a sensação de perda dos Estados consumidores, que começaram a se insurgir contra a regra constitucional de partilha do ICMS incidente nas vendas interestaduais, e isso tem representado mais uma fonte de tensão federativa.

No ano passado, um grupo de 18 Estados, das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, inconformado com tal regra, celebrou o Protocolo n.º 21/2011, em que “acordam em exigir, a favor da unidade federada de destino da mercadoria ou bem, a parcela do ICMS devida na operação interestadual em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de internet, telemarketing ou showroom”. E prevê que o pagamento do ICMS será exigível a partir do momento do ingresso da mercadoria ou bem no território da unidade federada, quando procedente de Estados não signatários do protocolo (os tipicamente produtores, do Sudeste e do Sul). O ato só não é cômico – a “exposição de motivos” do protocolo o é – porque é trágico: afronta a regra constitucional de partilha do imposto e estabelece verdadeira “aduana” para exigir em duplicidade parcela do ICMS já paga na origem. Caos tributário e federativo! Esse protocolo é objeto de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, interpostas por entidades representativas de contribuintes.

De outro lado, tramita no Senado uma Proposta de Emenda Constitucional para mudar essa regra de partilha do ICMS incidente nessas operações via internet, estabelecendo que parte do imposto pertence ao Estado da localização do consumidor. Mesmo que seja justa, essa repactuação da receita do ICMS, se aprovada, trará mais complexidade ao já confuso ICMS. Tendo em vista que, operacionalmente, o Estado destinatário não tem como cobrar o seu quinhão de imposto diretamente de seu consumidor, que não é contribuinte, deverá fazê-lo na fronteira. Ou então será imposta ao comerciante remetente a condição de contribuinte dos Estados destinatários de suas mercadorias: terá não só de recolher ICMS Brasil afora, como também se submeter à auditoria de 27 Fiscos estaduais. Simplificação do sistema tributário brasileiro? Esquece…

Fonte: O Estado de S. Paulo

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